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A transferência como base para a psicanálise e educação

Atualizado: 15 de nov. de 2023



Todo o processo educacional perpassa pela interação entre ensinante e aprendente. Desde o mais remoto tempo histórico a família está no centro das relações primarias, bem como da formação do indivíduo com todas as suas características físicas, emocionais, pessoais, sociais, religiosas e etc. Assim sabemos que desde cedo aprendemos que nossas relações e interações com o outro são de fundamental importância em nossa sobrevivência e para a preservação da espécie.

Outro grande fator que nos ajudou a chegarmos a evolução humana, foi a descoberta de que, diferente de outros animais podíamos pensar e tal certeza nos levou a consciência que éramos superiores e que poderíamos com o passar do tempo avançar mais e mais. Como próximo passo desenvolvemos a linguagem, a escrita e com ela criamos a prática de narrar nosso passado e assim nasce a história, não apenas contada mais preservada para àqueles que ainda viriam e tomariam como base tais informações. Dessa árvore surge o fruto que passaríamos a chamá-lo de cultura e nesta, que inicialmente se dá como referência de cultivo ou cuidado, introduzimos uma nova prática ou arte, a de repassar de forma sistemática tais descobertas e assim a cada novo tempo avançarmos no desenvolvimento humano, tecnológico, científico, religioso entre tantos outros que surgiram com o passar dos anos. A essa forma sistemática de repassar informações, também introduzimos valores éticos e morais e à mesma demos o nome de educação.

Tal modelo inicialmente se dá na ação familiar – não fazendo referência aqui ao modelo grego de educação bem como de povos daquela época – uma vez que todos os nossos contatos primários acontecem na mesma e que tais valores repassados nos acompanharão por toda vida. A educação tem a função de ordenar o comportamento humano a um modelo que possa compartilhar com os demais suas habilidades, valores e costumes respeitando a todos e estabelecendo um elo em que nos conduza ao contato social e nos prepare para a vida e que, posteriormente, nos tornará um cidadão pronto a participar de um grupo maior que é a formação estatal, tendo como representatividade superior a formação das leis bem como a obediência às mesmas.

Ainda na família as relações se entrelaçam e geram os primeiros conflitos, pois dentro do seio familiar, pela própria diversidade individual de cada um, bem como de sua subjetividade humana, os componentes da mesma se relacionam e se enfrentam em momentos diferenciados permitindo que momentos isolados entre irmãos, quando há ciúmes, ou entre pais e filhos quando há oposição de desejos e conflitos entre autoridade X força do ID individual da criança transformem-se em verdadeiras guerras internas gerando em todos, uma incompreensão e nos pais um desestímulo na crença de uma educação possível.

Esse conflito familiar tende a aumentar quando os pais ainda tentam manter o velho modelo educacional que se apresenta como “tradição X inovação” fortalecendo ou reeditando tudo aquilo que geraram suas próprias neuroses que há muito os incomodam e que, por falta de conhecimento adequado acreditam que são sintomas normais de uma vida apressada onde necessita-se, a cada dia, de mais tempo para que as tarefas diárias sejam realizadas. Assim incompreendidos em si mesmos, os pais tendem a cobrar dos filhos com a mesma severidade – a qual foram cobrados – ou em muitos casos, querendo negar o sofrimento que viveu na infância, compensando os pequenos dando tudo aquilo que nunca teve e tal ação, torna os filhos crianças que desvalorizam os privilégios recebidos e passam – pela falta de controle – a agirem como crianças inseguras e a consequência disso é diretamente a agressão. Nesse momento pais conversão entre si, diante dos filhos, que tais crianças não têm controle, que eles (os pais) não sabem como lhe dar com os mesmos, potencializando mais ainda a sensação de poder que os pequenos têm sobre os pais, gerando ainda mais insegurança.

Toda essa problemática familiar gera uma nova necessidade, a de levar os filhos à escola para que lá aprendam a se socializar com os outros, gastem mais energias e em fim voltem para casa cansados e loucos para dormir, diminuindo assim o fardo dos pais uma vez que agora o peso de educar está sendo compartilhado com a escola, o que acaba sendo mais um erro de interpretação na arte de educar dos pais, pois, assim como eles, os professores, em sua maioria, além de ter muitas neuroses não resolvidas, ainda não sabem nada a respeito das cargas filogenéticas das crianças e nem da forma com à qual foram criada.

Se em casa tais manifestações são difíceis de entender, quando a criança é enviada à escola muitos outros fatores – e ainda mais desconhecidos – irão corroborar para, não só a ratificação dos erros mas, a cristalização dos mesmos e como consequência o aparecimento de outros. Na escola os professores recebem esses alunos acreditando que todos os conflitos iniciais bem como a dependência materna já foram resolvidos, o que é um grande erro, pois, as rebeldias, as ações insociáveis e insatisfações agora apresentadas em sala com os colegas e professores nada mais é do que a substituição dos irmãos e pais pelos colegas de classe e professores ajustando com esses aqueles conflitos que não foram resolvidos no seio da família.

Em muitos casos a afetividade da criança está totalmente destruída pela falta de uma relação em que aja o amor entre os pais, sobretudo quando há uma separação, pois, a criança passa a acreditar que, se os pais não se querem mais toda a família não serve mais para nada e dessa forma a criança passa a não ter mais satisfação alguma nem prazer naquilo que se faz. E para que esse abismo de emoções seja amenizado é preciso que os professores antes de receber uma criança exijam informações sobre os primeiros anos da infância, ou que pelo menos os professores tenham conhecimento dessas influências educacionais. E é nesse sentido que a psicanálise contribuiu e ainda contribui muito, na formação daqueles que se propõe a educadores/profissionais na educação, melhorando o entendimento dos mesmos em relação à criança e possibilitando uma maior visão quanto ao âmbito educacional, como podemos ver na citação a seguir.

Para o professor sem muito contato com a teoria psicanalítica ou mesmo com o próprio desenvolvimento afetivo e cognitivo da criança, todo esse material até agora discutido parece acúmulo de coisas sem a menos importância. Contudo, esse professor deverá pertencer a um período em que o educando era considerado como um ser isolado e desvinculado de sua família. Nos dias atuais até o mais despreparado ou neófito entre os educadores considera, antes de tudo o ambiente doméstico da criança, na possibilidade de uma influência paterna desfavorável, na sua posição na constatação familiar e nos efeitos dessa posição em termos de irmão mais velho, do meio ou caçula. Todos procuram explicar o comportamento da criança considerando o trato recebido no lar.”

A interferência, ou melhor dizendo, a contribuição psicanalítica na relação educacional veio para abrir novos horizontes no entendimento humano bem como nas relações que permeiam toda a vida do mesmo. Com a psicanálise o entendimento do que é educação, as formas de como conduzi-la e os caminhos que através dela nos evitaria os erros, fez com que um grande avanço se desse nessa área fundamental não só para a formação do indivíduo – como criança – mais, para todo o processo evolucional em busca de uma nova sociedade, agora pautada não apenas em valores à priori como propõe a própria filosofia, mas, caminhando em busca, cada vez mais, do entendimento de si e consequentemente do outro.

Quando o educador tem conhecimentos de psicanálise cabe ao mesmo ajudar o alunos em suas dificuldades e, em casos extremos, passá-lo para um psicanalista.

E uma das formas para se chegar a tais respostas ou descobertas é a ação de transferência proposta pela psicanálise como uma primeira necessidade para que o processo ensino aprendizagem aconteça. Se não houver a transferência dificilmente haverá uma aprendizagem satisfatória, pois em momentos muitas vezes inconscientes o aprendente por não se identificar com seu professor cria uma barreira entre os dois impossibilitando que tal desenvolvimento aconteça. Da mesma forma se dá na inversão. Se o professor não faz uma ação transferencial para com o aluno, o que podemos chamar aqui de contra transferência – lembrando que essa ação não quer dizer envolvimento afetivo sexual – o interesse do mestre para com o mesmo não o incentivará a ajudá-lo, mesmo sabendo da sua obrigatoriedade como agente transformador profissional da educação. E é por esse motivo que todo profissional na educação deveria à priori ter conhecimentos psicanalíticos para que a educação florescesse de forma mais livre e satisfatória a todos na construção de um mundo melhor.

Durante toda história da educação no Brasil várias interferências (positivas) apoiaram o movimento em prol de um melhor entendimento sobre a escola bem como da transformação social a partir do ensino público e da formação de professores e nesse âmbito Anísio Teixeira integrou o movimento educacional renovador conhecido como Escola Nova, e o trabalho de Arthur Ramos no Distrito Federal foi feito em consonância com os ideais escolanovistas onde suas raízes situam-se nos anos 1920, quando na época, já havia uma necessidade de caminhar para as mudanças educacionais no Brasil colocando-o no mesmo nível que outros países mais desenvolvidos. E esse modelo educacional marcou o cenário nacional nas décadas de 1930, 1940 e 1950 de forma inovadora indo de encontro aos modelos tradicionais existentes.

Para Arthur Ramos a tarefa das clínicas se completa com o exame do lar e, em seguida, da escola, configurando um trabalho de mútua cooperação entre as partes.” (Nunes 2000,p.316.)

É na socialização da criança na escola que a psicanálise vê como um momento privilegiado, e concebe o aprender entrelaçado ao processo de constituição do sujeito. Já para Freud, a educação tem papel importante do processo de sublimação, o qual possibilita que a criança faça trocas com o grupo e tenha acesso a cultura. E o agente principal na construção psíquica da criança é o complexo de Édipo, e é o recalque (consequência da eficiência da função paterna) que permite qualquer processo educativo.


Clésio Alves

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