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Conceitos fundamentais da Psicanálise



  1. Introdução

Observamos através da história da humanidade, todo o desenrolar da sexualidade. Na visão de Freud, primordialmente, o homem descobre que a genitália proporcionava intensas sensações de prazer e satisfação, tornando o erotismo genital o ponto central de sua vida e felicidade. Mas daí, nasce o temor pela perda do objeto de desejo, seja através da infidelidade ou da morte. Desse modo, o homem começa a se proteger da frustração através do amor universal e fraterno por todos os homens. Em dado momento, porém, esse amor passa a ser associado à religião judaico-cristã e à família, como constituinte da sociedade, a qual cercada de leis e tabus, impõe restrições tanto a homens quanto à mulheres, vindo o sexo a ser considerado algo sujo e pecaminoso. A questão econômica também é outro fator que retira energia psíquica da sexualidade, que começa a ficar cada vez mais bloqueada. No intuito de refrear esse instinto explosivo, considerou-se que quanto mais cedo os desejos sexuais fossem afastados, haveria menos prejuízos na vida adulta. Até mesmo os heterossexuais foram limitados através da monogamia e da legitimidade (do casamento). Apesar dos melhores esforços para suprimir suas singularidades do sexo, ele nunca será simples, bonito como se almeja ou fundamentalmente democrático ou gentil, pois se encontra ligado à crueldade, transgressão e desejo de subjugação e humilhação. Toda essa pressão da civilização, levou à negação completa da satisfação e do gozo, nascendo dessas frustrações, as neuroses e as transgressões. Salientando que as transgressões já nasceram com natureza de punição. E é sobre essa natureza transgressora que o presente trabalho visa abordar e desmistificar.

  1. Considerações Iniciais

De início, consideremos que muitas pessoas mantém a ideia sobre sexualidade extremamente equivocadas, haja vista que o desejo esteve há muito cercado por tabus e códigos de conduta, eivados de restrições, condenações e até mesmo de castigos, tanto humanos quanto “divinos”. Dessa forma, se torna muito mais complexo e polêmico discorrer sobre a: Perversão – tema bastante controverso e obscuro até mesmo no meio psicanalítico. Mas, então, há como definir a pervesão sexual? A historiadora e psicanalista Elisabeth Roudinesco (2007), escreve:

A perversão é um fenômeno sexual, político, social, físico, trans-histórico, estrutural, presente em todas as sociedades humanas: O que faríamos se não mais pudéssemos designar como bodes expiatórios – ou seja, como perversos – aqueles que aceitam traduzir por seus atos estranhos as tendências inconfessáveis que nos habitam e que recalcamos?

Dese modo, retornamos ao pensamento de Freud, em relação às moções pulsonais sexuais perversas.

  1. Perversões

Etimologicamente, o termo perversão que tem origem latina perversione, designa o ato ou efeito de perverter-se, isto é, tornar-se perverso ou mau, corromper, depravar, desmoralizar. Pode designar ainda a alteração ou o transtorno de uma função”. Significa “algo” posto ao contrário.


Semanticamente, foi atribuído à sexualidade e à moralidade. Daí a ideia de aberração sexual ou transgressão, crime.


Historicamente, desprezo para com o corpo, com a alteridade.


Do século XIX para o século XX, a ciência acaba normatizando a sexualidade e estabelecendo uma ligação desta com a loucura. Além disso, as religiões de origem judaico-cristã condenam o sexo a um estado pecaminoso e suscetível de proibições e culpas. Em nome da moral, dos bons costumes e da família, a lascívia dos “loucos” e dos “pervertidos” deveria ser exercida em âmbito diverso do lar, a fim de preservar os “sexualmente sadios”, criando-se então uma norma para a preservação da família e estabelecendo um fim único: a reprodução. Tudo que destoasse dessa finalidade seria considerado aberrante, mostruoso, perverso.


Assim, interessava excluir ou marginalizar os perversos para não “contaminar” os indivíduos “normais”. Em 1886, o cientista Krafft Ebing, publica Psychopathias Sexuais, classificando clinicamente, pela primeira vez, os chamados “desvios sexuais”, gerando uma visão estereotipada das perversões e que, até hoje, remete-nos a um avesso e condenação moral. Nesse catálogo, constava: ANESTESIAS (Falta de prazer); HIPERESTESIAS (Intensificação do desejo, por exemplo: ninfomaníaca). PARESTESIAS (Atividades em paralelo, como por exemplo, homossexualismo, fetichismo, masoquismo, sadismo). Esclarecendo apenas que o masoquista, na visão psicanalítica, não é o que sente prazer na dor, mas “satisfação” na dor. No fetichismo, o prazer está concentrado no detalhe: o objeto chama mais atenção do que o corpo e, no sadismo, a satisfação na dor causada ao outro.


A partir da análise de Freud, as perversões tomam outro sentido, porque ele procura sair da normatização do catálogo. No caso, desconsidera a homossexualidade como parestesia e introduz o termo PARADOXIAS para as manifestações do desejo e da sexualidade, onde naquela época, não se esperava que aparecesse – na criança. Desse modo, quando da elaboração dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, em 1905, Freud fala sobre a pulsão e a sexualidade infantil. Na pulsão, a sexualidade é pensada como um todo. Nesse caso, a pulsão e a sexualidade infantil não são exclusivas da perversão, culminando numa visão menos estereotipada, pois a pulsão é diferente do instinto – considerado até então no catálogo. Conceitua a pulsão como uma força constante e sempre presente, que instiga o ser humano.


Freud fala que há uma sexualidade infantil, se referindo não como uma etapa cronológica, mas como uma base que acompanha o ser humano até sua vida adulta, como se a sexualidade infantil fosse um esboço da sexualidade adulta, se manifestando de inúmeras formas. Uma das características perverso-polimorfa, considera que a pulsão sexual dos seres humanos, originalmente, está disposta à perversão. Daí, o desenvolvimento sexual, orgânico e psíquico resultará em uma sexualidade “normal”. Porém, para Freud, “sexualidade normal” não está atrelada à heteressexualidade, como se esta fosse a única forma da sexualidade infantil a sobrevir na vida adulta.


Para Freud, o perverso utiliza as fantasias pré-genitais como fator principal de sua vida sexual, enquanto que o neurótico as emprega como acessório para sua excitação. Essa alegação de Freud, mudou a compreensão da sexualidade em geral e provou que o perverso não é uma pessoa que possui alguma aberração que o diferencia dos demais seres humanos, mas que ele apenas representa o que se encontra oculto em todas as pessoas.

Há de se considerar que o termo perversão é diferente de perversidade.


Perversidade traz algo no sentido moral negativo, reprovável, ruim, malvado. Mais do que a descrição de um comportamento aberrante no desvio sexual, o que Freud fundamentalmente está interessado em fazer, é indicar um modo de subjetivação. A perversão é um modo de se tornar sujeito e é inerente a ele.


A perversão indica algo que está sempre com o ser humano. Ou seja, um modo do sujeito se apresentar ao mundo, assim como a neurose é usual, comum. Mais do que uma condenação, a partir da psicanálise, a perversão torna-se uma maneira legítima de se apresentar na sociedade enquanto sujeito.


Segundo Roudinesco (2007):

Seja gozo do mal ou paixão pelo soberano bem, a perversão é uma circunstância da espécie humana: o mundo animal está excluído dela, assim como do crime. Não somente é uma circunstância humana, presente em todas as culturas, como supõe a preexistência da fala, da linguagem, da arte, até mesmo de um discurco sobre a arte e sobre o sexo (…)

  1. Pornografia e perversão

Ao delimitar um comportamento sexual dito “normal”, algumas sociedades, como a ocidental, acaba recalcando as fantasias de seus membros e reprimindo sua sexualidade, causando sofrimento psiquico. Esse sofrimento, demanda de alguma forma, uma solução e a pornografia surge como uma liberação da sexualidade.


A pornografia permite uma descarga sexual sem necessidade alguma de vínculos afetivos e relaciona-se às fantasias de cada pessoa. Porém, ao mesmo tempo que causa uma forte excitação sexual, a pornografia ao trazer à tona as fantasias sexuais do sujeito, faz com que ele tenha uma reação consciente de repugnância ou aversão.


A pornografia se tornou muito popular após as inovações tecnológicas, facilitando o acesso a crianças, jovens e adultos, transformando seus comportamentos e relacionamentos afetivos e sexuais, haja vista que permite aos usuários o total anonimato, eliminando a exposição em locais públicos como antes acontecia, como por exemplo, em bancas de jornais, cinemas e locadoras. Os avanços tecnológicos, além de facilitar o acesso a qualquer pessoa, permitiu a interatividade entre elas, compartilhando preferências e fantasias, além do que, podem produzir e divulgar na internet seus próprios produtos pornográficos.

Conforme CECCARELLI (2010) estamos assistindo a uma verdadeira “patologização da normalidade”, indo cada vez mais ao encontro de saídas perversas e, uma delas, é a pornografia.


Segundo Stoller (1998, p. 27):

A pornografia é um devaneio publicado. A perversão é um devaneio executado. A pornografia é uma forme frustée de uma perversão. Quando alguém está à procura de excitação, a pornografia tem a vantagem de ser um devaneio confiável: é visível, pode ser examinado repetidas vezes e – por ser produzida para a venda – temos a garantia de que representa um gênero, que é o devaneio preferido de inúmeras pessoas, ou seu produtor perderia dinheiro.


O autor considera ainda que a excitação e a perversão tomam a forma erótica do ódio e de uma fantasia, geralmente, restrita a um sonho e produzida por outra pessoa, no caso, a produção pornográfica.

  1. Conclusão

Podemos ainda considerar a perversão uma aberração, um comportamento transgressor ou desvio de uma norma? Como definir então a perversão sexual atualmente?

Podemos concluir que em razão de tantas repressões sexuais, o conceito de perversão esteve muito cercado de preconceitos e valores éticos-morais. Com o surgimento da Psicanálise, esse termo ganhou um novo sentido, caracterizado como um desejo contínuo presente em todos os indivíduos, cabendo a cada um distinguir o “normal” do “pervertido”, já que “aceitável” é uma questão de “trato” social.


Para entender, principalmente do ponto de vista clínico, devemos ser cuidadosos quanto a essa imagem emblemática da perversão, pois sempre nos confrontará com questões éticas e morais. Desse modo, vale considerar um ponto que caracteriza bem a perversão enquanto subjetividade, é o que se pode chamar de “terceirizaçao da angústia”: o perverso lida com a angústia repassando-a para o outro e fazendo com que o outro se angustie por ele. Desse modo, o perverso precisa do outro e também de uma cena para que as coisas funcionem. Diferentemente do neurótico que tem que lidar com a falta, com a insatisfação.


O perverso acaba despertando uma relação ambígua: um misto de asco, recriminação e fascínio. Mas por trás de toda essa montagem, se esconde o vazio e o perverso sabe muito que tem que dissimular a falta na relação dele com o mundo, criando um modo de subjetivação sofisticado.


Atualmente, vivemos uma era onde impera o individualismo e o hedonismo – prazer a todo custo – considerando assim, que vivemos numa era que tem muito a ver com a perversão.

Criou-se a regra que: consigamos driblar a falta, que tenhamos cada vez mais objetos, que conquistemos mais coisas e pessoas, que nada nos falte ou que criemos mecanismos para que isso não ocorra. O mercado é muito hábil para isso, então vale outra consideração que nos leve a pensar e que cabe ao perverso: um sujeito que sabe driblar a falta.

Freud nos ensinou que somos seres sexuais e vivemos liberando ou reprimindo nossa libido e que durante a vida variamos nossos objetos de desejo, desejo que pode ser considerado ou não pervertido.


Referências

BOTTON, Alain de. [Tradução de Cristina Paixão Lopes]. Como pensar mais sobre sexo. Rio de Janeiro. Objetiva. 2012.

CECCARELLI, Paulo Roberto. A pornografia e o ocidente. Portugal: Revista (In)visível, v. 1, p. 25-34, 20011

CECCARELLI, Paulo Roberto. A Sexualidade e consumo na TV. Rio de Janeiro: Psicologia Clínica, v. 12, n. 2, p.59-68, 2004.

FREUD, Sigmund. Capítulo 3. In: FREUD, Sigmund. Mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1997. Cap. 3, p. 37-52.

FREUD, Sigmund. Moral sexual ‘civilizada’ e doença nervosa moderna (1908). In: ________. “Gradiva” de Jensen e outros trabalho (1906-1908). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. P. 169-186. (Edição sandard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9).

FREUD, Sigmund. Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor (contribuições à psicologia do amor II) (1912). In: _______. Cinco lições de psicanálise, Leonardo da Vinci e outros trabalhos (1910[1909]). Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1974. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 11).

FREUD, Sigmund. Um caso de histeria, Três ensaios sobre sexualidade e outros Trabalhos. 1901-1905. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud Volume VII. Imago Editora. Rio de Janeiro, 2006.

MERGULÃO, Lúcia. Sexologia aplicada a psicanálise. Curso livre em formação em psicanálise. Associação Brasileira de estudo psicanalíticos do Estado de Pernambuco. Arcoverde, 2016.

____________. Sexologia Geral. Curso livre em formação em psicanálise. Associação Brasileira de estudo psicanalíticos do Estado de Pernambuco. Arcoverde, 2016

ROUDINESCO, Elisabeth. A parte obscura de nós mesmos – Uma história dos Perversos. Zahar. (2007)

STOLLER, Robert J. Observando a imaginação erótica. Rio de Janeiro: Imago, 1998.


DILMA PIRES DE OLIVEIRA

Artigo de Revisão apresentado à Associação Brasileira de Estudos Psicanalítico do Estado de Pernambuco, como requisito parcial para aprovação no Módulo I – FUNDAMENTOS E CONCEITOS DA PSICANÁLISE FREUDIANA vista a obtenção do Titulo de Psicanalista Didata do Curso Livre de Formação de Psicanalista Didata. Orientadoras: Sandra Ugiette e Lúcia Mergulhão.



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